Há mais de 10 anos, nossa produtora, Pimenta Filmes, faz mostras de filmes sobre os direitos humanos, com a ideia de formar um público crítico que, como nós, compreenda os valores democráticos. Essa palavra ‘democracia’ vem de longe, o conceito que tem um belo significado não é fácil de ser posto em prática em se tratando, por exemplo, de políticas públicas. Equilibrar os antagonismos, discutir propostas e sobretudo investimentos, estabelecer prioridades num regime plural é um projeto lento e cheio de curvas. Mas vale a pena.
Assim, ouvir a diversidade, sublinhar os acontecimentos não editados ou creditados pela grande mídia, é a nossa busca. Gostamos de provocar e sermos provocados, e se as grandes redes se equivocam lançando luz sobretudo em fatos e propostas do que já está estabelecido, contamos com as redes alternativas, blogs que procuram as fontes, checam, articulam de forma diferente, não se submetem aos anunciantes, prezam pela liberdade de pensamento. Achamos quórum sobretudo na juventude e nas instituições e coletivos como Os Jornalistas Livres, Pontos de Luta, Mídia Ninja, e a Casa Viva. Assim é um prazer acompanhar o projeto pedagógico, e quando possível participar um pouco do trabalho sofisticado que realizam.
Quando a direção da Escola e a professora Grazi interessaram-se pela Mostra Cine Direitos Humanos 21 – Olho no Olho, como um viés pedagógico inserido no que estão trabalhando, especialmente na Fase 4, nossa proximidade e integração de temas foi acontecendo de forma séria, e divertida ao mesmo tempo. Trocamos filmes sobre os Artigos da Carta dos Direitos Humanos, no caso um curta especial para crianças e feito por elas, extremamente delicado e direto. A partir daí a professora elencou alguns temas para debates e o resultado foi chegando em forma de desenhos, composições e pequenos áudios onde as crianças afirmaram e também duvidaram da prática dos direitos aqui e agora. Esse aprendizado onde tudo cabe, tudo é conversado, é muito bem-vindo para as artes, sobretudo para o cinema que lida com dubiedades, ambivalências, chistes e uma série de claros e escuros. Respostas articuladas já trazem em si a pontinha das próximas perguntas, e nesse curso com a solidez que se liquefaz, e vice-versa, o mundo vai se descortinando de forma animada e múltipla.
Por ora editamos os curtíssimas – Um, dois – Somos todos um | Direitos cores | Ditadura 31 de março | Será quê? | com desenhos singelamente animados, procurando dar visibilidade ao espírito dos questionamentos das crianças. Os textos das crianças não foram revisados, quer dizer, foram mantidos nas condições de produção das próprias crianças. Afinal, são a prova viva de crianças aprendendo a escrever junto com o aprendizado cívico. Só posso dizer que amei fazer parte desse trabalho, adoramos a Grazi e me senti próxima de Paulo Freire e Piaget. Cabeças pensantes. É bom ter cabeças tocadas pela potência da leitura e do cinema que é um tipo de escrita com a luz.
Em relação à curadoria, uma das nossas buscas na Mostra foi a de filmes verdadeiros e criativos para a infância e juventude. Fomos atrás de índios que filmaram, eles mesmos, suas aldeias, o dia a dia com o rio e a mata. Por exemplo, No tempo do verão foi dirigido e filmado por Wewito Piyãko mostrando o que as crianças Ashaninka fazem quando não estão na escola. Esse mesmo povo está ensinando o manejo agroflorestal para os jovens e meninos, tudo isso no Acre, terra do rio Amônia.
Procuramos duas escritoras-cineastas que pesquisam há anos o brincar em várias regiões do país. O filme Lá no meu quintal aborda a questão – o que é ser criança e como elas exercitam sua infância.
Na busca encontramos uma animação muito divertida sobre a diferença que não impede a amizade. “Só sei que foi assim” conta a história de Santiago e a menina Júlia, que leem um livro falando sobre a selva e como é a vida lá, então ele decide que está na hora de finalmente agir como um tigre.
Pesquisamos cineastas que tiveram olhares curiosos para crianças com outros tons de pele, como o albino Sanã e Dudu (e o Lápis Cor da Pele), ou para jovens que trazem questões econômicas e sociais como A peste da Janice – a menina, filha da faxineira, nova aluna da escola mostra suas aventuras e desventuras na classe, ou ainda ‘A Menina Espantalho’ escolhida pelo pai para trabalhar enquanto o irmão vai a escola. Será que ela vai se contentar com isso?
São tantos filmes incríveis, imaginem um curta sobre uma família de catadores de papel e três crianças que em vez de se queixarem inventam histórias sobre os objetos achados nas caçambas, coisas descartadas que vão virando brinquedos. Até o nome do filme é muito instigante – As coisas que moram nas coisas.
No eixo Juventudes, o filme Nada de Gabriel Martins enfoca o ENEM, e as pressões para que nossa heroína decida em qual curso vai se inscrever. Para aquela típica pergunta ‘o que você quer ser quando crescer’ a jovem tem a coragem de responder ‘nada’. Será que ela sustentará esse, ‘parênteses’ diante da pressão externa e interna?
E a Mostra aborda outros eixos temáticos como Políticas extremas trazendo filmes do dito cinema ‘de autor’ que com sua ousadia tem demonstrado que o cinema é uma grande ferramenta ao revelar injustiças, descortinando o jogo do poder. Outro eixo é o Tempo Suspenso que lida com as dificuldades vividas pelos adultos, crianças e jovens nesse isolamento. Contemporaneidades que chamamos de camadas de Brasil procura lançar luz sobre as várias faces da sobrevivência, aqui e agora. Apresentamos ainda o ‘Ocupa’ a cidade, a cultura, o campo, a Amazônia, Africanidades e Janelas.
Na construção da Mostra, cada filme traz sua história de pesquisa, contatos, amizades, negociações, buscas, sortes no sentido amplo do que significa abrir uma janela e se aventurar a sair, garimpar, mas também receber o que chega. Diretores que sugeriram outros diretores ou outros filmes seus que nem imaginávamos que existiam, pessoas que ficaram sabendo da Mostra e vieram nos procurar com seus trabalhos. Outras que não entraram, mas resolveram nos divulgar. E assim tocamos o barquinho, com a certeza que não temos controle de tudo e é bom ser assim.
A Mostra existe para o público e o público somos nós! Faça sua pipoca, se inscreva na plataforma – http://www.poloaudiovisual.tv/cinedireitoshumanos21/ escolha seus filmes e entre nessa história. Que já é nossa.
Obrigada pessoal pela oportunidade de falarmos um pouco do trabalho!