A educação em tempos de pandemia

Qualquer amor já é um pouquinho de
saúde, um descanso na loucura.
Guimarães Rosa

A educação em tempos de pandemia

Muito se tem discutido sobre o fechamento das escolas, suas consequências na aprendizagem das crianças e dos jovens, a necessidade de reabertura e o momento certo de promovê-la. Discussões fundamentais e inesgotáveis. Entretanto, sem entrar no mérito dos temas mencionados acima, esse texto propõe uma outra reflexão: a importância do ensino remoto  como materialização da escola, durante a pandemia, como medida de desenvolvimento, aprendizagem e saúde para todos os envolvidos, enquanto a crise sanitária exigir distanciamento social.

Há exatamente um ano, as escolas belorizontinas foram fechadas como medida de combate ao novo coronavírus. Há um ano, pátios, cantinas, jardins, salas de aulas ficam vazias. Nada de rabiscos nas carteiras, sedes e mal-estares inventados para algum passeio pelo corredor, nada de olhares, sorrisos, fofocas, amigas-para-sempre, intrigas, desejos, rejeições. Nada de disputas, de alterar o andar, de ensaiar o sorriso, de ajeitar os cabelos, de compartilhar segredos e de risos soltos.

A escola com goiabas tentadoras e inalcançáveis pela janela da sala 2 e do brinquedão dos sonhos é um misto de memória afetiva e objeto de desejo. Mas o universo odeia o vácuo. E a vida pulsa. E o encontro precisa acontecer. E as relações se reconfiguram. E a escola, cenário de todos esses processos, se “materializa” em modo remoto. E apesar das limitações desse novo lugar, ou do desconhecimento das suas potências, o ensino remoto foi, e tem sido, e permanecerá sendo “qualquer amor” em tempos de pandemia.

A decisão pela manutenção de uma rotina escolar, a construção de proposta remota coerente com o projeto da escola, que se revisita constantemente, que é validado a partir de múltiplos olhares, é uma decisão pela educação. Mais precisamente por uma educação em tempos de crise, que tem como dever imperativo ser uma educação em favor da vida, da ética, da estética e da ciência.

Mediada pelo currículo escolar e pelo encontro com o outro, a escola, mesmo que remotamente, segue buscando uma pedagogia que seja ““convite a criar espaços para partilhar a alegria de viver. Alegremo-nos porque vamos descobrindo que existem pequenos germes de um cotidiano novo, porque nos admiramos ao ver como mudamos e ao ver como os demais mudaram ou querem mudar. A admiração estimula a gozar tudo o que, desde nossa realidade imediata, contribua para a vitória da vida”¹.

A instituição física está fechada, isso é lamentável. Nada substitui a presença física do outro em nossas experiências cotidianas, mas precisamos reconhecer que a escola nunca se fechou, nunca deixou de se fazer presente, e não se furta à tarefa de ser para além de um lugar, uma instância de dodiscência permanente (aproveitando um neologismo do Paulo Freire)!

Reconhecer isso fortalece os vínculos, contribui para a atribuição de sentido coletivo, acolhe os esforços individuais e coletivos de todos os atores envolvidos nesse empreendimento tão desafiador: alunos e alunas, professores e professoras, pais, mães, avós, irmãos e irmãs mais velhos, que não têm medido recursos e energias para que “a nossa realidades imediata, contribua para a vitória da vida”, e que, o quanto antes, todos se reencontrem com o seu objeto de desejo mais profundo: aquela escola, naquele endereço, com seus corredores e todas as suas contradições.

¹ BECLAUIR, João. Educação para a Paz: um estilo de ‘aprenderensinar’ e ‘ensinaraprender’ na perspectiva da Educação em Direitos Humanos como possível suporte psicopedagógico. Comunicação apresentada na mesa redonda “Estilos de Ensinar e Aprender”, da II Jornada Regional de Psicopedagogia, promovida pela ABPp – Associação Brasileira de Psicopedagogia e organizada pelo Núcleo Sul Mineiro de
Psicopedagogia, na cidade de Poços de Caldas, em 23/06/2001. Publicado no site www.aprender-ai.com.br

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