Como uma escola que não treina para o Enem,  prepara para o Enem?

No último domingo, dia 13 de novembro, teve início o Enem 2022, com as provas de Linguagens, Ciências Humanas e Redação – sendo que o tema dessa última foi ”desafios para a valorização de comunidades e povos tradicionais no Brasil”.

Nas provas de Linguagens e Ciências Humanas também estiveram presentes em muitas  questões, autores e autoras cujo trabalho revelam aspectos da cultura brasileira relativos a esse tema em toda a sua complexidade.

A questão que trouxe um importante debate sobre o acesso às telas dos chamados nativos digitais foi tema de uma disciplina eletiva do Ensino Médio, voltada justamente ao estudo da cultura digital e seus impactos nos processos de formação. 

Outra, que trás Quarto de despejo de Maria Carolina de Jesus, encontrou ressonância em um longo trabalho desenvolvido ao longo dos últimos anos na Casa Viva pela disciplina de literatura e língua portuguesa.

A vida perfeita nas redes sociais, e seus impactos na saúde mental foi tema central ao longo de nossa leitura de textos do filósofo sul-coreano Byung-chul Han em outra disciplina  eletiva, unindo Biologia e Sociologia, ofertada no ano de 2021. 

Em Filosofia, iniciamos o ano justamente conversando sobre os pré socráticos e a filosofia antiga, objetos de duas questões deste ENEM. 

A disciplina de Mobilidade urbana, que integrou nosso currículo do Novo Ensino Médio, teve foco justamente no ponto  abordado em uma questão, quanto ao tempo de deslocamento dos trabalhadores para suas casas, inclusive com conversas junto à BHTrans e experiências multimodais de deslocamento.

Poderíamos estender os exemplos ainda em muitas linhas, mas te convidamos a conhecer de perto o trabalho da rede curricular da Casa Viva para o Novo Ensino Médio. 

Essas abordagens estão presentes no currículo da Casa Viva desde sempre, e foram muito presentes no ano letivo de 2022, desde o tema das Olimpíadas, aos Trabalhos de Campo, recortes temáticos dessas disciplinas, Projetos e Eletivas –  não por uma tentativa de acertar o tema da redação do Enem ou pela perspectiva de que poderiam estar presentes nas questões, mas pelo sentido dessas discussões para a formação integral dos nossos estudantes.

Ao apresentarmos a proposta da escola para as famílias interessadas no Ensino Médio, a pergunta sobre o Enem é inevitável. E nossa resposta é sempre muito honesta e objetiva: “Não treinamos para o Enem, mas acreditamos que nossos alunos saem bem preparados para essa prova”

A primeira tarefa para desvendar essa afirmação é buscar uma aproximação com os significados dos dois verbos da oração acima: treinar e preparar. Ao consultar os sinônimos de cada um deles, já nos deparamos com algumas pistas. 

Treinar: Exercitar; realizar de modo regular certa atividade: Adestrar;

Preparar: Aprontar, arranjar, dispor com antecedência. Predispor favoravelmente. Estudar, organizar previamente. Dar preparo a, ensinar.

Portanto, podemos assumir que a  ação de preparar é mais ampla e significativa e que dialoga com a perspectiva de uma proposta educativa que opera com os sujeitos, e não para eles.

O currículo assim desenhado define-se em agenciamentos´, é rizomático, pós-crítico e democrático. Desenvolve-se a partir de sentidos e não de objetos prescritos. Lida com o pensamento complexo e não se contenta com soluções simplistas. 

Ao se abrir para o devir, o currículo enseja experiências que extrapolam os muros da escola e alcançam dimensões  não previstas em percursos curriculares normativos.  

Além disso, a adoção de uma pedagogia decolonial aproxima a comunidade educativa de temas e problemas basilares na nossa constituição identitária, provocando a revisão de discursos fundadores, considerando a perspectiva do colonizado, dos povos originários e dos povos diaspóricos.

A riqueza e o dinamismo desses múltiplos terrenos amplia o capital cultural do estudante, promove análises e sínteses permanentes e uma consciência da incompletude humana que mobiliza sempre a novas buscas e, com esse movimento, um repertório metodológico se consolida, permitindo a interação com novos objetivos. 

Ou seja,  um aluno ou aluna, habituados a esse dinamismo e a essa diversidade, invariavelmente se depara, no momento de uma avaliação como a do Enem, como elementos familiares e dispõe de metodologias que se constituem como ponto de partida para atender aos requisitos do exame. 

Há uma imagem, cuja origem não conseguimos precisar,  que responde bem à pergunta que deu título a essas reflexões: nosso conhecimento é uma pequena ilha num oceano, mas quanto mais cresce essa ilha, maior é sua região fronteiriça, portanto, maiores são os pontos de interseção com esse oceano.

Diante disso, reiteramos: que a educação das nossas crianças e jovens, seja sempre de expansão e que não se limite a espaços pré-determinados. Só assim, ela cumprirá seu papel de contribuir para a formação de sujeitos preparados para assumir o que Paulo Freire define como “vocação ontológica de sermos sujeitos da nossa própria história”.  Seja no Enem, seja na universidade, seja em qualquer itinerário que componha o  projeto de vida individual. 

Texto: Andréa Zica com a colaboração de Lívia Arnaut e Christian Bravo

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